
Texto extraído do Cap. X, p. 552-562 – 3ª Reimpressão, 2009, LIVRO IV – CAP. 10 – p. 552 – OBRA: MÍSTICA CIDADE DE DEUS A VIDA DE MARIA – Escrita por SOROR MARIA DE JESUS DE ÁGREDA.
Texto de acordo com o autógrafo original – Introdução, notas e edição por CELESTINO SOLAGUREN, OFM.
Com a colaboração de Ángel Martínez Moñux, OFM, e Luis Villasante, OFM – MADRID, 2009.
Excerto traduzido do espanhol para o português, por Julio, Apostolado do Brasil.
Obra: Mística Cidade de Deus Vida da Virgem Maria
NIHIL OBSTAT: CÁNDIDO ZUBIZARRETA, OFM – Censor Ordinis – 4 noviembre 1970.
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- VICENTE SERRANO – 21 noviembre 1970.
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IMPRIMASE: + RICARDO, OBISPO AUX. – Y VIC. GEN. – 21 diciembre 1970.
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IMPRIMI POTEST: FR. MARCELINO ASURABARRENA Min. Prov. – 4 noviembre 1970.
1.a Edición, 1970 – La Reimpresión, 1982 – 2.a Reimpresión, 1992 – 3.a Reimpresión, 2009.
PROPIEDAD Y VENTA DE LA OBRA: MM. CONCEPCIONISTAS DE ÁGREDA (SORIA) – I.S.B.N.: 978-84-300-7944-5 – Depósito legal: M. 31.258-2009 – Imprenta FARESO, S. A. — Paseo de la Dirección, 5. 28039 Madrid.
Sitio del Orden de la Inmaculada Concepción – conocidas también como Concepcionistas Franciscanas: https://mariadeagreda.org
“123. Desejo confessar em presença do céu e da terra e seus habitantes, e do Criador universal de tudo e de Deus eterno, que quando pego minha caneta para escrever o mistério arcano da Encarnação, desfalecem minhas fracas forças, emudece minha língua, e se gela minha fala. Pasmam minhas potências e me encontro toda cortada e submergido meu entendimento, encaminhando-o para a Divina luz que me governa e me ensina. Nela tudo se conhece sem engano. Entende-se sem rodeios, e vejo minha insuficiência e conheço o vazio das palavras e a brevidade dos termos, para encher os conceitos de um sacramento que no epílogo compreende o próprio Deus e a maior obra e maravilha de sua onipotência. Vejo neste mistério a divina e admirável harmonia da infinita providência e sabedoria, com que, desde sua eternidade, a ordenou e previu, e desde a criação do mundo, o vem encaminhando, para que todas as suas obras e criaturas viessem a ser meio adequado para o fim mais alto da descida de Deus ao mundo feito homem.”
“124. Vejo como para descer o Verbo Eterno do seio de Seu Pai, aguardou e escolheu por tempo e a hora mais oportuna, o silêncio da meia-noite (Sab. 18:14) da ignorância dos mortais, quando toda a posteridade de Adão estava sepultada e absorta no sono do esquecimento e da ignorância de seu verdadeiro Deus, sem haver quem abrisse sua boca para confessá-lo e abençoá-lo, salvo alguns poucos Seu povo. Todo o resto do mundo estava em silencio e cheio de trevas, tendo passado uma longa noite de cinco mil e quase duzentos anos, sucedendo uns séculos e gerações a outras. Cada qual no tempo predefinido e determinado pela eterna sabedoria, para que todos pudessem conhecer seu Criador e encontrar-se com Ele. Pois o tinham tão próximo, que em Si mesmo lhes dava vida, ser e movimento (Atos 17:27-28). Mas como não chegava o claro dia da luz inacessível, embora alguns mortais andassem por aí como homens cegos, tocando as criaturas, eles não atinavam com a divindade. E sem conhece-la, davam-se às coisas sensíveis e mais vis da terra (Rm 1,23).
125. Chegou, pois, o ditoso dia, em que desprezando o Altíssimo, desprezando os longos séculos de tão pesada ignorância (Atos 17, 30), determinou manifestar-se aos homens, e dar inicio a redenção da linhagem humana, tomando Sua natureza nas entranhas de Maria Santíssima, que estava preparada para este mistério, como foi dito (cf. supra c. 1 a 9). E para melhor declarar o que dele se me manifesta, é forçoso antecipar alguns sacramentos escondidos, que aconteceram ao descer o Unigênito do peito de Seu Eterno Pai.”
“Suponho que entre as Divinas Pessoas, como a fé o ensina, embora haja distinção pessoal, não há desigualdade na sabedoria, onipotência, nem nos demais atributos, como tampouco a pode haver na substância da divina natureza; e como em dignidade e perfeição infinita são iguais, assim também o são nas operações que chamam ad extra, porque saem fora do próprio Deus, para produzir alguma criatura ou coisa temporal. Estas operações são indivisas entre as Três Divinas Pessoas, porque não as fazem uma só pessoa, senão todas as três, na medida em que são um mesmo Deus, e têm uma sabedoria, um entendimento e uma vontade. E assim como sabe o Filho, e quer e obra o que sabe e quer o Pai, assim também o Espírito Santo sabe e quer e obra o mesmo que o Pai e o Filho.
126. Com esta indivisão, executaram e obraram todas as três pessoas com uma mesma ação, a obra da Encarnação, embora só a Pessoa do Verbo recebeu em si a natureza de homem, unindo-a hipostaticamente a si mesmo.
E por isto dizemos, que foi enviado o Filho pelo Pai Eterno, de cujo entendimento procede, e que lhe enviou seu Pai, por obra do Espírito Santo, que interveio nesta missão. E como a pessoa do Filho era a que vinha para humanar-se ao mundo, antes que sem sair do seio do Pai descesse dos céus, e naquele divino consistório, em nome da própria humanidade que havia de receber em sua pessoa, fez uma proposição e petição, representando os merecimentos previstos, para que por eles se lhe concedesse a toda a linhagem humana, sua redenção e o perdão dos pecados, pelos quais devia satisfazer a divina justiça.”
“Pediu o Fiat da beatíssima vontade do Pai que lhe enviava, para aceitar o resgate por meio de suas obras e paixão santíssima, e dos mistérios que queria obrar na nova Igreja e na lei da graça.
127. Aceitou o Eterno Pai esta petição e os méritos previstos do Palavra, e lhe concedeu tudo o que ele propôs e pediu para os mortais.
E ele mesmo o encomendou aos seus escolhidos e predestinados, como herança ou propriedade sua. E por isto, disse o próprio Cristo nosso Senhor, por São João, que não perdeu nem pereceram os que seu Pai lhe deu, porque os guardou todos, salvo o filho da perdição (Jo 17, 12; 18, 9), que foi Judas (Iscariotes). E outra vez disse que de suas ovelhas ninguém arrebataria nenhuma de sua mão (Jo 10,28), nem de seu Pai. E o mesmo seria para todos nascidos, se como foi suficiente a redenção, se ajudassem eles, para que fosse eficaz para todos e em todos. Pois a nenhum excluiu sua Divina Misericórdia, se todos a admitissem por meio de seu Reparador.”
“128. Tudo isto – a nosso entender – precedia no céu, no trono da Beatíssima Trindade, antes do fiat de Maria Santíssima, que logo direi.
E ao tempo de descer as suas virginais entranhas, o Unigênito do Pai, comoveram-se os céus e todas as criaturas. E pela união inseparável das três Divinas Pessoas, baixaram todas com a do Verbo, que só havia de encarnar, e com o Senhor e Deus dos exércitos saíram todos os da celestial milícia, cheios de invencível fortaleza e resplendor.
E ainda que não fosse necessário desimpedir o caminho, porque a divindade o enche todo, e está em todo lugar, e nada lhe pode estorvar; com tudo isso, respeitando os céus materiais ao seu próprio Criador, fizeram-lhe reverência e se abriram e dividiram todos os onze com os elementos inferiores: as estrelas se renovaram em sua luz; a lua e sol com os demais planetas apressaram o curso em favor de seu Criador, para estarem presentes na maior de suas obras e maravilhas.
129. Não conheceram os mortais esta comoção e novidade de todas as criaturas. Tanto porque aconteceu à noite, como porque o próprio Senhor quis que fosse manifesta somente aos anjos, que com nova admiração o louvaram, conhecendo tão ocultos como veneráveis mistérios escondidos aos homens, que estavam longe de tais maravilhas e benefícios admiráveis para os próprios espíritos angélicos, aos quais, por então, só lhes remetia o dar glória, louvor e veneração por isto ao seu Criador. Somente no coração de alguns justos, infundiu o Altíssimo, naquela hora, um novo movimento e um influxo de extraordinário júbilo, a cujo sentimento atenderam todos e foram comovidos a atenção, formaram novos e grandes conceitos do Senhor. E alguns foram inspirados, suspeitando se aquela novidade que sentiam era efeito da vinda do Messias para redimir o mundo. Mas todos calaram, porque cada um imaginava que só ele havia tido aquela novidade e pensamento, dispondo-o assim o poder divino.
130. Nas demais criaturas, houve também sua renovação e mudança. As aves se moveram com cantos e alvoroço extraordinário; as plantas e árvores melhoraram seus frutos e fragrância, e respectivamente todas as demais criaturas sentiram ou receberam alguma oculta vivificação e mudança. Mas quem a recebeu mais, foram os Pais e Santos que estavam no limbo, aonde foi enviado o Arcanjo São Miguel, para que lhes desse tão alegres novas e com elas os consolou e deixou cheios de júbilo e novos louvores.”
“Só para o inferno houve novo pesar e dor, porque ao descer o Verbo eterno das alturas, sentiram os demônios uma força impetuosa do poder divino, que lhes sobreveio como as ondas do mar, e os atingiu a todos nas profundezas daquelas cavernas escuras, incapazes de resistir a ele ou de se erguer.
E depois que o permitiu a vontade Divina, saíram ao mundo e perambularam por ele, inquirindo se havia alguma novidade à qual pudessem atribuir aquilo que em si mesmos haviam sentido.
Mas não puderam rastrear a causa, ainda que fizessem algumas juntas para conferi-la; porque o poder Divino lhes ocultou o Sacramento de sua Encarnação e o modo de conceber Maria Santíssima ao Verbo humanado, como adiante veremos (Cf. infra n. 326), e só na morte e na cruz acabaram por conhecer que Cristo era Deus e homem verdadeiro, como ali diremos (Cf. infra. n. 1416)”
“131. Para “executar o Altíssimo este mistério, entrou o Santo Arcanjo Gabriel, na maneira que disse no capítulo passado (cf. supra n. 113), no retrete onde estava orando Maria Santíssima, acompanhada por inúmeros anjos em forma humana visível, e todos refulgentes, com incomparável beleza.
Era quinta-feira, as sete da tarde, ao escurecer a noite. Vi-o a divina Princesa dos céus, e olhando-o com suma modéstia e temperança, não mais do que bastava para reconhecer-lhe como o Anjo do Senhor, e conhecendo-o, com sua acostumada humildade, quis fazer-lhe reverência. Não o permitiu o Santo Príncipe.
Antes, ele a fez profundamente como para sua Rainha e Senhora, em quem adorava os divinos mistérios de seu Criador. E junto com isso, reconhecia que já desde aquele dia, mudavam-se os antigos tempos e costumes, de que os homens adorassem os Anjos, como o fez Abraão (Gen 18, 2). Porque a natureza humana foi elevada à dignidade do próprio Deus na Pessoa do Verbo, ficavam os homens adotados por seus filhos e companheiros ou irmãos dos próprios Anjos, como disse ao evangelista São João, ao não lhe consentir a adoração (Ap 19, 10).”
“132. O Santo Arcanjo saudou nossa Rainha e sua, e lhe disse: Ave gratia plena. Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus (Lc 1,28).
Turbou-se sem alteração a mais humilde das criaturas, ouvindo esta nova saudação do Anjo.
E a perturbação teve nela duas causas: a primeira, sua profunda humildade, com que se reputava inferior a todos os mortais, e ouvindo, ao mesmo tempo em que se julgava tão baixamente, saudá-la e chamá-la de bendita entre todas as mulheres, causou-lhe novidade.
A segunda causa foi que, ao mesmo tempo, quando ouviu a saudação e a conferia em seu peito, como a ia ouvindo, teve inteligência do Senhor que a escolhia para Sua Mãe. E isto a turbou muito mais, pelo conceito que de si tinha formado.
E por esta turbação, prosseguiu o Anjo, declarando-lhe a ordem do Senhor, e a dizendo: Não temas, Maria, porque encontraste graça com o Senhor. Eis que conceberás um filho em teu ventre, e o darás à luz, e lhe colocarás por nome Jesus. Será grande e será chamado Filho do Altíssimo. E o resto que prosseguiu o Santo Arcanjo (Ibid. 30-31).”
134. Respondeu-lhe o Santo Príncipe Gabriel: Senhora, sem conhecer varão, é fácil ao poder Divino fazer-vos mãe. E o Espirito Santo virá com sua presença e estará de novo convosco, e a virtude do Altíssimo vos fará sombra, para que de vós possa nascer o Santo dos Santos, que se chamará Filho de Deus.
E adverti que vossa parente Isabel também concebeu um filho em sua estéril senectude. E este é o sexto mês de sua concepção. Porque nada é impossível para Deus (Ibid. 35-37), e o Próprio que faz conceber e dar à luz à que era estéril, pode fazer que vós, Senhora, chegueis a ser sua Mãe, ficando sempre Virgem, e mais consagrada vossa grande pureza.”
“E ao Filho que dareis à luz, lhe dará Deus o trono de seu pai David, e seu reino será eterno na casa de Jacó (Ibid. 32). Não ignorais, Senhora, a profecia de Isaías, que conceberá uma virgem e dará à luz um filho, que se chamará Emmanuel, que é Deus conosco (IS 7, 14).
Esta profecia é infalível e se há de cumprir em vossa pessoa. Assim mesmo, sabeis o grande mistério da sarça que viu Moisés ardendo, sem ofendê-la o fogo (Ex 3, 2), para significar nisto as duas naturezas divina e humana. Sem que esta seja consumida pela divina, e que a Mãe do Messias lhe conceberá e dará à luz sem que sua pureza virginal fique violada.
Lembrai-vos também, Senhora, da promessa que fez nosso Deus eterno ao Patriarca Abraão, que depois do cativeiro, de sua posteridade no Egito, a quarta geração (Gen 15, 16) voltaria a esta terra.
E o mistério desta promessa era que, nesta quarta geração (O mistério desta quarta geração é que se acham quatro gerações:
– a primeira de Adão, sem pai nem mãe;
– a segunda, de Eva sem mãe;
– a terceira, concepção de pai e mãe, que é a comum de todos;
– a quarta, de mãe sem pai, que é a de Jesus Cristo Nosso Senhor) por Vosso meio resgataria Deus humanado a toda a linhagem de Adão da opressão do demônio.
E aquela escada que Jacó viu dormindo (Gen 28, 12), foi uma figura expressa do caminho real que o Verbo Eterno em carne humana abriria, para que os mortais subissem aos céus e os anjos baixassem à terra, aonde baixaria o Unigênito do Pai, para conversar nela com os homens, e comunicar-lhes os tesouros de sua divindade com a participação das virtudes e perfeições que estão em seu ser imutável e eterno.”
“135. Com estas razões e outras muitas, informou o embaixador do céu a Maria Santíssima, para tirar-lhe a turbação de sua embaixada, com a notícia das antigas promessas e profecias da Escritura, e com a fé e conhecimento delas e do poder infinito do Altíssimo.
Mas como a própria Senhora excedia aos próprios anjos em sabedoria, prudência e toda santidade, detinha-se na resposta para dá-la com o acordo que a deu. Porque foi tal qual convinha ao maior dos mistérios e sacramentos do poder Divino.
Ponderou esta grande Senhora, que de sua resposta estava pendente o desempenho da Beatíssima Trindade, o cumprimento de suas promessas e profecias, o mais agradável e aceito sacrifício de quantos se lhe haviam oferecido, ao abrir as portas do paraíso, a vitória e triunfo do inferno, a redenção de toda a linhagem humana, a satisfação e recompensa da Divina justiça, a fundação da nova lei da graça, a glória dos homens, o gozo dos anjos e tudo o que se contem em haver-se de humanar o Unigênito do Pai, e tomar forma de servo (Filipense 2, 7) em suas virginais entranhas.
136. Grande maravilha por certo, e digna de nossa admiração, que todos estes mistérios e os que cada um encerra, os deixasse o Altíssimo em mãos de uma humilde donzela, e tudo dependesse de seu fiat.
Mas digna e seguramente o remeteu para a sabedoria e fortaleza desta mulher forte, que, pensando nisso com tanta magnificência e altura, não frustrou a confiança que ele tinha nela (Prov. 31, 11).
As obras que ficam dentro do próprio Deus não necessitam da cooperação das criaturas, que não podem ter parte nelas. Nem Deus pode espera-las para obrar ad intra.
Mas nas obras ad extra contingentes, entre as quais a maior e mais excelente foi fazer-se homem, não a quis executar sem a cooperação de Maria Santíssima, e sem que ela desse seu livre consentimento, para que com ela e por ela, desse este complemento a todas suas obras, que tirou para a luz fora de si mesmo, para que devêssemos este benefício à Mãe da sabedoria e nossa Reparadora.
137. Considerou e penetrou profundamente esta grande Senhora o campo tão vasto da dignidade de Mãe de Deus, para compra-la (ibid. 16ss.) com um fiat. Vestiu-se de fortaleza mais que humana, e gostou e viu quão boa era a negociação e comércio da Divindade.
Entendeu as sendas de seus ocultos benefícios; adornou-se de fortaleza e beleza. E havendo conferido consigo mesma e com o paraninfo celestial Gabriel a grandeza de tão altos e divinos sacramentos, estando muito capaz da embaixada que recebia, foi seu puríssimo espirito absorto e elevado em admiração, reverência e sumo intensíssimo amor do próprio Deus.”
“E com a força destes movimentos e afetos soberanos, como com efeito conatural deles, foi seu castíssimo coração quase prensado e comprimido, com uma força que fez destilar três gotas de seu puríssimo sangue, e postas no lugar natural para a concepção do corpo de Cristo Senhor nosso, foi formado delas, pela virtude do Divino e Santo Espirito.
De sorte que, a matéria de que se fabricou a humanidade santíssima do Verbo para nossa redenção, a deu e administrou, o Coração de Maria Puríssima, à força de amor, real e verdadeiramente.
E ao mesmo tempo, com a humildade nunca o bastante encarecida, inclinando um pouco a cabeça, e as mãos juntas, pronunciou aquelas palavras que foram o princípio de nossa reparação: Ecce ancilla Domini, fíat mihi secundum verbum tuum (Lc., 1, 38).”
“138. Ao pronunciar este fiat tão doce para os ouvidos de Deus, e tão feliz para nós, em um instante realizaram-se quatro coisas:
– a primeira: formar-se o corpo santíssimo de Cristo Senhor nosso, daquelas três gotas de sangue que administrou o coração de Maria Santíssima;
– a segunda: ser criada a alma santíssima do próprio Senhor, que também foi criada como as demais;
– a terceira: unir-se a alma e corpo, e compor sua humanidade perfeitíssima;
– a quarta: unir-se a divindade na pessoa do Verbo com a humanidade, que com ela unida hipostaticamente, fez a encarnação, e foi formado Cristo Deus e homem verdadeiro. Senhor e Redentor nosso.”
“Isto aconteceu na sexta-feira, 25 de março, ao romper da aurora, ou aos crepúsculos da luz, à mesma hora que foi formado nosso primeiro pai Adão, e no ano da criação do mundo de 5.199, como o conta a Igreja romana no Martirológio, governada pelo Espirito Santo. Este relato é verdadeiro e certo. E assim me foi declarado, perguntando-o por ordem da obediência.”
“E de acordo com isto, o mundo foi criado no mês de março, que corresponde que ao princípio da criação.
E porque as obras do Altíssimo são todas perfeitas (Dt 32, 4) e acabadas, as plantas e as árvores saíram da mão de Sua Majestade com frutos, e sempre os tiveram, sem perde-los, se o pecado não houvesse alterado toda a natureza, como o direi de intento em outro tratado, se for vontade do Senhor, e o deixo agora por não pertencer a este.”
“139. No mesmo instante de tempo que celebrou o Todo-poderoso as bodas da união hipostática no tálamo virginal de Maria Santíssima, foi a divina Senhora elevada à visão beatífica, e se lhe manifestou a Divindade intuitiva, e claramente conheceu nela altíssimos sacramentos, de que falarei no capítulo seguinte.
Especialmente se lhe mostraram patentes os segredos daquelas cifras que recebeu no adorno que deixo dito (Cf. supra n. 82), a puseram-no capítulo 7, e também as que traziam seus anjos.
O divino menino ia crescendo naturalmente no lugar do útero, com o alimento, substancia e sangue da Mãe Santíssima, como os demais homens, entretanto, mais livre e isento das imperfeições que os demais filhos de Adão padecem naquele lugar e estado. Por causa de alguns acidentes, e não pertencentes à substância da geração, que são efeitos do pecado, esteve livre a Imperatriz do céu, e das superfluidades imperfeitas, que nas mulheres são naturais e comuns, de que as demais crianças se formam, sustentam e crescem.
Pois, para dar a matéria que lhe faltava, da natureza infecta, das descendentes de Eva, acontecia que se a administrava, exercitando atos heroicos das virtudes, e em especial da caridade. E como as operações fervorosas da alma e os afetos amorosos naturalmente alteram os humores e sangue, encaminhava-a a Divina Providência ao sustento do Menino Divino, com que era alimentada naturalmente a humanidade de nosso Redentor, e a Divindade recriada com o beneplácito de heroicas virtudes.
De maneira que Maria Santíssima administrou ao Espirito Santo, para a formação do corpo, sangue puro, limpo, como concebido sem pecado e livre de suas pensões. E o que nas demais mães, para ir crescendo os filhos, é imperfeito e imundo, a Rainha do céu dava o mais puro, substancial e delicado. Porque, pelo poder de afetos de amor e das demais virtudes, se comunicava, e também a substância do mesmo que a divina Rainha comia. E como sabia que o exercício de se sustentar, era para dar alimento ao Filho de Deus e seu, tomava-o sempre com atos tão heroicos, que admirava aos espíritos angélicos, que em ações humanas tão comuns, pudesse haver realces tão soberanos de merecimento e de agrado do Senhor.
140. Ficou esta divina Senhora na possessão de Mãe do próprio Deus, com tais privilégios, que quantos hão dito até agora, e direi adiante, não são ainda o menos de sua excelência, nem minha lingua o pode manifestar.
Porque, nem ao entendimento lhes é possível devidamente concebe-lo; nem aos mais doutos nem sábios encontrarão termos adequados para explica-los. Os humildes, que entendem a arte do amor divino, o conhecerão pela luz infusa e pelo gosto e saber interior, com que se percebem tais sacramentos.”
“Não só ficou Maria Santíssima feita céu, templo e aposento da Santíssima Trindade, e, transformada, elevada e deificada com a especial e nova assistência da Divindade em seu ventre puríssimo, mas também aquela humilde casa e pobre oratório, ficou todo divinizado e consagrado pelo novo santuário do Senhor.
E os divinos espíritos, que testemunhas desta maravilha assistiam para contempla-la, com novos cânticos de louvor e com indizível júbilo, engrandeciam ao Onipotente. E em companhia da felicíssima Mãe o bendiziam em seu nome e da linhagem humana, que ignorava o maior de seus benefícios e misericórdias.”
“141. Filha minha, admirada te vejo, com razão, por haver conhecido com nova luz o mistério de humilhar-se a divindade para unir-se com a natureza humana no ventre de uma pobre donzela como eu o era.
Quero, pois, caríssima, que voltes a atenção para ti mesma, e ponderes que se humilhou Deus, vindo a minhas entranhas. Não para mim só. Mas também para ti mesma como para mim.
O Senhor é infinito em misericórdias, e seu amor não tem limite. E de tal maneira atende e assiste a qualquer das almas que o recebem, e se dá para ela, como se só aquela houvesse criado, e por ela se houvesse feito homem.
Por esta razão deves te considerar como só no mundo, para agradecer com todas tuas forças de afeto, a vinda do Senhor, para ele; e depois lhes darás graças, porque juntamente veio para todos.
E se com viva fé entendes e confessas que o próprio Deus, infinito em atributos e eterno na majestade, que baixou para tomar carne humana em minhas entranhas, esse mesmo te procura, te chama, te dá, acaricia e volta-se todo para ti (Gal 2, 20), como se fosses só tu criatura sua. Pondera bem e considera a que te obriga tão admirável dignação, e converte esta admiração em atos vivos de fé e de amor. Pois tudo deves a tal Rei e Senhor, que se dignou de vir a ti, quando não o pudeste buscar, nem alcançar.
142. Tudo quanto este Senhor te pode dar fora de si mesmo, te pareceria muito, olhando-o com luz e afeto humano, sem atender ao superior. E é verdade, que da mão de tão eminente e supremo Rei, qualquer dádiva é digna de estimação. Mas, se atendes ao próprio Deus, e lhe conheces com luz Divina, e sabes que te fez capaz de sua divindade, então verás que se ela não se te comunicasse e viesse Deus para ti, todo o criado seria nada e desprezível para ti.
E só gozarás e descansarás, sabendo que tens tal Deus, tão amoroso, amável, tão poderoso, suave, rico, e, que sendo tal e tão infinito, se digna de humilhar-se a tua baixeza para levantar-te do pó e enriquecer tua pobreza e fazer contigo ofício de pastor, de pai, de esposo e amigo fidelíssimo.
143. Atende, pois, filha minha, em teu segredo, aos efeitos desta verdade. Pondera bem e confere o amor dulcíssimo deste grande Rei para contigo, em sua pontualidade, em seus presentes e carícias; nos favores que recebes; nos trabalhos que te confia; na candeia que acendeu sua Divina ciência em teu peito, para conhecer altamente a infinita grandeza de seu próprio ser, o admirável de suas obras e mistérios mais ocultos.
Esta ciência é o primeiro ser e princípio, a base e fundamento da doutrina que te dei, para que chegues a conhecer o decoro e magnificência, com que haverás de tratar os favores e benefícios deste Senhor e Deus, teu verdadeiro bem, tesouro, luz e guia. Olha-O como a Deus infinito, amoroso e terrível. Ouve, caríssima, minhas palavras, meu ensinamento e disciplina, que nela está a paz e a luz dos olhos.”
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